segunda-feira, 31 de maio de 2010

O PONTO CEGO

segunda-feira, 31 de maio de 2010
Sinalizei para ter acesso à faixa da direita. Já estava a entrar quando, de repente, um carro se materializou no retrovisor. Confesso: caí na famosa pegadinha do ponto cego. Puxei o volante e voltei para a minha mão. O sujeito buzinou, gesticulou, olhou de cara feia, xingou, descarregou a raiva do chefe, da sogra, do cunhado e do chefe novamente. Em outra manhã, levantei-me da cadeira de réu e sentei-me na de juiz. De peito estufado, fui o dono da razão pelo menos por uma manhã. O carro da frente foi entrando como se eu estivesse invisível. Buzinei, xinguei, mostrei o dedo do meio -completamente ereto - e concluí: - até o talo seu filho... Sabe porque fiz isso? Eu também não sei. Mas, me pareceu muito natural. A humanidade parece mesmo caminhar nesta rota da intolerância, da intransigência, da irracionalidade. Em breve, não haverá mais "serendipicidades". Será o fim das descobertas afortunadas feitas em virtude do acaso? Ora, é sabido que o acaso necessita da falta de motivos, de explicações e até dos erros. Quantos casais se formaram após uma batida de carros? Quantos mendigos encontraram notas suicidas de R$ 50,00 que se jogaram de algum bolso desapercebido? O erro, obrigatoriamente, deverá entrar em extinção. O mundo, finalmente, será dos espertos. E, sobre a terra, restará apenas um bando de sem vergonhas, urrando, batendo no peito, arrastando as fêmeas pelos cabelos e carregando tacapes. Não cairemos mais na pegadinha. Seremos os próprios pontos cegos.

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